Projetando o preço da gasolina brasileira
Não é novidade para quem lê um pouco de jornal ou mantém um carro próprio que a gasolina é um dos grandes vilões do aumento do custo de vida do brasileiro nos último meses. No ano passado, o aumento do preço dos combustíveis e da energia domiciliar aportaram diretamente quase que a metade da inflação de 2021. Na entrada de hoje do blog, apresentarei uma projeção intuitiva de minha autoria para o preço da gasolina no Brasil.
Poucos assuntos são mais polêmicos do que a política de paridade de preços de importação da Petrobras (PPI), mas uma de suas vantagens pouco discutidas é a facilidade lógica que tal política traz para se entender a formação do preço que se paga na gasolina. Vamos esclarecer isso melhor.
A PPI é uma política de preços implementada logo no início da gestão Pedro Parente, em outubro de 2016, como uma das medidas essenciais para a recuperação da empresa que se encontrava fortemente endividada em dólares até aquele momento. Desde então, o preço dos combustíveis experimentou um aumento que, até 2021, se manteve próximo da média histórica após corrigir-se pelo IPCA. De 2021 para cá, no entanto, ultrapassou sua média histórica em termos reais.
Vemos que a gasolina hoje ultrapassou em aproximadamente 23% o custo médio histórico já corrigido pela inflação dos últimos 18 anos. Um cenário bem diferente daquele de 2020, quando a gasolina ficou bem barata durante a pandemia em razão de uma demanda comprimida pela queda na mobilidade.
Mais tarde, o encarecimento da gasolina ocorreu pela combinação de dois fatores, a depreciação da taxa de câmbio brasileira e a disparada do preço internacional do barril de petróleo. De maneira simplificada, podemos representar o preço da gasolina brasileira na PPI pela seguinte fórmula matemática:
O primeiro passo da nossa projeção é coletar os dados de interesse. Todos os dados internacionais usados são facilmente encontrados no site do FRED. Um barril de petróleo padronizado negociado nos Estados Unidos (WTI) possui aproximadamente 159 litros de óleo, trazendo-o para litros e cotando-o em R$ multiplicando pela taxa de câmbio média de cada mês, podemos encontrar o fator multiplicativo ‘k’ que traduz os demais custos intermediários entre o processo de transformar o petróleo cru até virar gasolina na bomba para o consumidor final:
Vemos que nosso fator ‘k’ apresenta grande variabilidade, porém tende a flutuar em torno de 2x a 4x com uma média de 2.9x. Usaremos a média e assumiremos ‘k’ constante para o resto do exercício.
Em posse de uma estimativa de ‘k’ e dos demais dados que compõem o lado direito da nossa equação, podemos comparar a nossa proxy da PPI com o preço da gasolina nacional:
Neste momento, podemos perceber três resultados interessantes:
- O primeiro é que de alguma forma a Petrobras de maneira não explícita praticava preços suavizados que giravam em torno do custo internacional de importação da gasolina muito antes da PPI. A PPI, no entanto, deu fim a um longo período de subsídio que foi praticado durante 2011 e 2015, periodo sob o qual a empresa experimentou grande crise, chegando a ser cotada em R$ 4.5 em fevereiro de 2016.
- O segundo é que o preço da gasolina mesmo hoje em dia na PPI não segue perfeitamente o preco implícito pelo câmbio e o petróleo internacional. A Petrobras ainda permite um grau razoável de suavização da alta dos preços, tendo acumulado um desvio de aproximadamente 25% do valor de referência neste momento. Se o petróleo e o câmbio ficarem parados onde estao, a gasolina terá que subir ainda um pouco mais.
- O terceiro é que, ignorando os fatores de custo que chamamos de ‘k’, nosso modelo de preços baseado somente no câmbio e na cotação internacional do barril de petróleo nos permite explicar pouco mais de 70% da variação da gasolina desde a aprovação da PPI até agora. Resta no entanto entender o que faremos com o tal subsídio implícito pelo resíduo do nosso modelo.
Batendo o olho no gráfico do subsídio, percebi que ele possui duas características bastante úteis em séries de tempo: autocorrelação serial e estacionariedade em torno de zero. Isso nos permite modelar nosso subsídio como se fosse um resíduo de uma regressão econométrica. Vamos representá-lo então como um processo autorregressivo simples:
Podemos testar se a estacionariedade é de fato zero e se a série é autocorrelacionada a partir dos p-valores dos coeficientes e da autocorrelação dos resíduos ‘ε’ dessa nossa regressão. Fazendo a amostra a partir de outubro/2016 (início da PPI) temos o seguinte resultado:
Com três lags, conseguimos eliminar a autocorrelação serial dos resíduos e capturamos toda a dinâmica deles no nosso subsídio. Além disso, vemos pela falta de significância do coeficiente ‘β0’, que nosso subsídio de fato tende a zero no tempo (ou seja, o PPI foi bem sucedido em impedir que um prêmio no preco da gasolina se estenda por tempo demais). Assim, temos todos os ingredientes necessários para uma projeção do preço da gasolina:
- Fazer hipóteses para o futuro do preço do petróleo;
- Fazer hipóteses para o futuro da taxa de câmbio;
- Usar os coeficientes da nossa regressão para dar o ritmo de decaimento apropriado ao ‘subsídio’ praticado pela Petrobras em um determinado momento do tempo.
Projetar o preço do petróleo é um desafio por si mesmo, assim como o câmbio. Podemos então tomar como hipóteses resultados agnósticos, onde ambos ficam parados no nível em que estão para um cenário base. Nesse caso, a gasolina teria que encarecer um pouco mais ainda, de maneira a fazer frente ao fechamento do ‘subsídio’ praticado hoje.
De posse do modelo, o céu é o limite. Então que tal imaginarmos alguns cenários alternativos para o câmbio e o petróleo e ver para onde a gasolina brasileira iria?
Assim, aproveitamos da melhor maneira possível as informações que temos sobre o funcionamento da política de precos da Petrobras, e somos capazes de planejar o futuro dos nossos custos atrelados à gasolina com base nelas.
Considerações finais
Há um longo debate público a respeito do uso político do controle governamental sobre a Petrobras para o controle do preço dos combustíveis. Este, no entanto, não pretende ser o foco deste texto (se quiser ler sobre isto, veja este). A ideia nesta entrada é mostrar como é possível fazer projeções usando apenas de instrumental básico, algum acesso aos dados e bom senso. O simples quando bem feito pode nos levar longe, enquanto o complicado e tecnólogico nada mais é do que uma grande pilha de procedimentos que podem ser traduzidos em pequenas etapas simples.
Por hoje é isto. Espero que tenham gostado, bons estudos a todos.