A inflação brasileira em 2021 e as perspectivas para o futuro
Nesta entrada de estréia do ano de 2022, volto para falar de inflação. O que causou sua forte aceleração no ano de 2021 e o que podemos esperar para os próximos anos? Para isso, usarei os dados do fechamento do IPCA do ano passado publicados pelo IBGE e recuperarei um modelo de pequeno porte calibrado de minha autoria, já publicado anteriormente aqui no blog.
Explicando o passado
O brasileiro experimentou mais um ano de inflação de 2 dígitos, 10.06% no ano. Acima da meta em 2021, tal como o visto no período entre 2015–16, cuja causa guarda algumas (não muitas) semelhanças com o último momento anterior.
Sabemos que a metodologia de apuração do IPCA é a partir de uma média ponderada dos diversos bens e serviços consumidos pelo brasileiro-médio. O IBGE entrevista famílias cuja renda se estende até 40 salários mínimos mensais e obtém um orçamento familiar médio para o qual ele pondera o peso de cada um desses itens de consumo. Assim, calcula-se variação do custo de vida da população brasileira a partir da produto entre a variação do preço de cada bem pelo peso do respectivo, normalizando esse valor a partir de um índice base 100. A fórmula matemática é bem simples:
Temos que o IPCA nada mais é do que uma média ponderada de todas as pequenas variações de preços dos bens e servicos em uma economia. Definindo por contribuição à inflação o produto do peso de um determinado item ‘k’ pela sua variação, temos que:
Assim, cada item ‘k’ tem sua contribuição individual ao resultado final do índice observado, o que nos permite decompor a inflação a partir destes subitens, conforme gráfico abaixo:
Assim, observamos que apenas 15 dos 377 itens que compõem a cesta de consumo apurada pelo IPCA são responsáveis por mais de três quartos da variação da inflação no ano passado. Uma inflação bastante concentrada em itens sensíveis a energia (gasolina, tarifa de energia elétrica, etanol e gás de cozinha somam mais da metade da inflação anual, sozinhos). A aceleração destes preços foi exaustivamente discutida em tópico anterior aqui no blog, sobre política monetária, inflação importada e condições climáticas.
Apesar de já explanado no post anterior mencionado, cabe insistir que o IPCA é um índice que captura somente os preços finais ao consumidor, não considerando portanto o aumento nos custos intermediários do processo produtivo. Isso significa que ao fazermos a decomposição dos preços tal como a apresentamos aqui, estamos subdimensionando os efeitos indiretos que tais bens encarecidos possuem nos demais preços da economia. Um alimento transportado em um caminhão a diesel e armazenado refrigerado terá seu custo até chegar a prateleira para compra final aumentado, e parte deste aumento de custo será repassado ao preço. Isso significa que a importância destes itens na inflação está subestimada, sendo ainda maior do que a ilustrada pelo gráfico anterior.
Para fins conservadores de análise, poderíamos então ignorar os efeitos indiretos dos preços de energia na inflação, e considerar que ela esteja, excluindo estes efeitos, mais próxima de 5%. Seguiria sendo uma inflação que excede a meta do banco central para o ano de 2022, inclusive um número bastante próximo do projetado pelo consenso do mercado hoje.
Isso nos leva a crer que o mercado esteja confiante que boa parte da expectativa de desinflação deste ano (hoje em 5pp, de 10 para 5% ao ano) repouse na necessidade de normalização destes precos de energia e da inflação importada. Algo que vamos usar em nosso favor para a projeção a seguir.
Projeções para 2022 (e além)
Fazendo uso do nosso modelo de pequeno porte calibrado, já anteriormente explorado aqui, alimentaremos as variáveis exógenas com trajetórias hipotéticas que condizem com as expectativas do mercado atuais.
Para recapitular, nosso modelo conta com o seguinte sistema de equações e variáveis:
Os coeficientes apresentados aqui são calibrados e de maneira a minimizar o erro absoluto médio, mas o modelo será disponibilizado em uma planilha linkada ao fim do texto, como de costume.
Como é possível perceber pelo sistema, o modelo conta com cinco variáveis endógenas e cinco variáveis exógenas. Para as exógenas, é preciso assumir hipóteses, e eu escolhi as seguintes trajetórias para elas:
Nestas hipóteses, assumo uma normalização da política monetária americana com 1 alta de juros por trimestre até o intervalo de 2.25–2.5%, valor hoje implícito pelo dot plot do Fed. Tal política monetária vai permitir um retorno à média para o preço das commodities (valor índice do CRB em ~450). O DI de 5 anos deve se manter flat em 10% ao ano, e o EMBI deve arrefecer para 250 pontos-base, pouco acima de sua média histórica de 2017–19.
Nesse contexto, teríamos a seguinte resposta das nossas variáveis endógenas:
Aqui, a inflação desacelera de maneira um pouco mais lenta do que a esperada pelo mercado, fechando o ano em 5.2% ao ano, e a taxa Selic flerta com os 11.5% ao ano, 25bps abaixo da vista pelo mercado hoje. A atividade veria uma recessão, abrindo 2pp de hiato do produto negativo em virtude do maior aperto monetário, e a taxa de câmbio teria uma leve pressão apreciativa, fechando o ano próximo de R$ 5.40/$.
No entanto, modelo não lê jornal, desconhece os ânimos qualitativos do mercado, sobretudo por tensões políticas domésticas. Assim, podemos computar um cenário alternativo para o nosso modelo, um onde o câmbio sofre uma depreciação cambial permanente de 10% neste ano (para R$ 6.20/$), em virtude da expectativa de um resultado eleitoral adverso. Ficaríamos assim:
Para facilitar a interpretação das respostas do modelo, podemos computar os resultados como impulsos-resposta.
Em resumo, uma depreciação cambial permanente de 10% nos traria uma normalizacao mais lenta da inflação, fechando o ano em 6.9% ao ano. Isto requeriria um aperto monetário ainda mais forte para domesticar as expectativas dos agentes, o que levaria a uma contração ainda mais forte da atividade neste ano e até mesmo nos próximos. O resultado naturalmente depende, é claro, que tudo o mais se mantenha constante.
O resultado do modelo e o modelo em si podem ser acessados neste link. Desejo um feliz 2022 a todos e bons estudos.