Modelando um ajuste fiscal de curto e longo prazo para o Brasil

Felipe Camargo
5 min readFeb 20, 2022

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Nesta curta entrada do blog, pretendo registrar a última atualizacao do meu modelo macroeconômico estrutural calibrado com agentes racionais, postado anteriormente aqui no blog neste link. A motivacao por trás da alteracoes do modelo nessa nova versao serao discutidas aqui, assim como minha interpretacao dos novos resultados.

O modelo surgiu de uma tentativa de representar como de fato se comportaria uma economia numa situacao de necessidade de ajuste fiscal. A grande maioria dos economistas do setor público tendem a reduzir suas análises de sustentabilidade recorrendo a condicoes de estabilizacao da dívida pública. A receita de bolo tende a ser apresentada no seguinte formato.

A dinâmica da dívida pode ser definida da seguinte forma:

onde ‘d’ é a dívida/PIB, ‘i(d)’ sao os juros do estoque da dívida, ‘Δq’ é variacao cambial, que incide sobre parte do estoque ‘θ’ de obrigacoes em moeda estrangeira, ‘π(gdp)’ é o deflator do PIB e ‘Δy’ o crescimento. ‘gb’ é como escolhi batizar o superávit primário nesta ocasiao. O índice ‘t’ aqui representa uma periodicidade anual.

O procedimento seguinte usual é o de igualar d(t)=d(t-1)=d e resolver para gb(t), este será o resultado primário requerido para satisfazer a condicao de estabilizacao da dívida pública. Os demais parâmetros do lado direito da equacao sao entao projetados e/ou conjecturados para obtermos o resultado primário a ser perseguido pelo governo. A análise termina aqui, de maneira simples e elegante.

O problema, no entanto, é que se quisermos levar a risca a lógica desta análise, precisamos considerar que por mais que o resultado primário possa ser uma variável de razoável discricionariedade por parte de governos, as demais variáveis da equacao nao sao exógenas a ele. Escolher um aumento para gb(t+1) de forma a estabilizar a dívida em condicoes estilizadas traz uma situacao de crescimento economico aquém do tendencial, assim como as interacoes futuras entre inflacao, juros e taxa de câmbio também afetariam o resultado de curto e médio prazo da dinâmica da dívida.

Além disso, é preciso considerar a possibilidade de que o governo nao é um agente passivo cujo único objetivo é estabelecer um orcamento para garantir a estabilidade da dívida a cada ano. Em crises governos atuam gastando e oferecendo isencoes fiscais, ignorar portanto que governos nao terao um ímpeto de fazer política fiscal expansionista em economias operando com ociosidade atua na direcao de enviesar a análise.

É tendo consciência disto que encontrei a motivacao para desenvolver modelos estruturais para ajustes fiscais. Ao explicitarmos a maioria dos canais endógenos mais claros entre essas variáveis, podemos entender com maior precisao o desafio do ajuste fiscal em questao. Como já fiz dois textos explorando o assunto (além do primeiro já linkado anteriormente, veja este outro), prefiro nao perder muito mais tempo e já passar direto para o modelo.

Um modelo estrutural para a economia brasileira

Em contraste como modelo anterior, que possuía 8 equacoes endógenas, o modelo atualizado conta com 13 equacoes. O aumento da estrutura é sobretudo conveniente por dois motivos: separar variáveis cíclicas de variáveis de longo prazo e tornar exógena a dinâmica da dívida, ancorando a regra fiscal a uma meta de superávit primário de longo prazo ao invés de um nível de dívida. As consequências desta escolha ficarao mais claras ao longo da apresentacao da calibragem e dos resultados.

As regras de movimento das variáveis endógenas sao dadas pelas equacoes abaixo:

Em contraste com nosso modelo anterior, adicionamos equacoes para representar de forma segregada as variáveis representadas por desvios do seu estado estacionário (representadas com um sobrescrito ‘~’) das variáveis de longo prazo (representadas com sobrescrito ‘-’)

A dívida bruta do governo passa a ser determinada exogenamente, a partir da seguinte regra de movimento:

Os parâmetros que multiplicam ‘i(t)’ e ‘π(t)’ sao fatores multiplicativos que aproximam a taxa de política monetária dos juros da dívida ‘i(d)’ e da inflacao ao consumidor ao deflator do PIB ‘π(gdp)’

Os passos seguintes sao exatamente iguais ao do modelo estrutural anterior. Primeiro precisamos calibrar nossos parâmetros de forma que eles representem apropriadamente a economia brasileira. Meu objetivo nesta calibragem é perseguir alguns fatos estilizados da economia brasileira, crescimento potencial médio de aprox. 1.5% ao ano, juro neutro próximo de 8% em termos nominais e um resultado de projecao que se aproxima razoavelmente dos números mais recentes do Relatório Focus.

Se nao gostou de algum parâmetro, fique a vontade para fazer a sua própria calibragem. Vale lembrar que é preciso respeitar os limites do modelo, que precisa convergir para uma solucao única com base nestes parâmetros

Tal como no modelo anterior, assumimos que os agentes conhecem os parâmetros calibrados neste modelo e possuem expectativas racionais. O procedimento para resolver as variáveis que sao expectativas sobre o futuro neste modelo segue o seguinte algoritmo, como em Blanchard-Kahn (1980):

Onde F, G, H, M, C, P, Q, N sao matrizes que guardam os parâmetros do modelo. X sao os vetores que guardam as variáveis endógenas em seus respectivos ‘ts’ (que neste modelo agora representam trimestres), Z é o vetor que guarda os choques nas mesmas variáveis endógenas

O procedimento para solucao do modelo entao é o de iterar as matrizes de espaco-estado P(k) e Q(k) com P(k-1) e Q(k-1) até que as diferencas em seus parâmetros sejam indistinguíveis de zero. A macro da planilha faz esse trabalho com um botao disponível após cada mudanca na calibragem. Se o modelo nao convergir após 30 segundos de iteracoes, o modelo é considerado explosivo, exigindo rever o valor dos parâmetros. Talvez seja possível encontrar um jacobiano para resolver a estabilidade do modelo de forma análitica. Por se tratar de 13 equacoes, faco por tentativa e erro, usando os parâmetros que conheco que funcionam.

Modelo de matrizes P(k), Q(k) e C(k) resolvidas, podemos inicializar o modelo dando valores iniciais para todas as suas variáveis endógenas. Os dados que utilizei estao na planilha. O último passo consiste em escolher choques para o cenário-base, que usará o modelo livre de choques como benchmark comparativo e também computará os impulsos-resposta dos choques escolhidos.

Nesta simulacao, faco um choque de -1pp do PIB no resultado primário de 2022 para representar a folga fiscal do Auxílio Brasil mais isencao de tributos sobre combustíveis e energia, além disso, assumo um choque tecnologia de apróx 0.05% no nível do PIB potencial para representar a choque na cadeia internacional de insumos e uma depreciacao cambial de 16% para representar risco de incerteza em razao de corrida eleitoral. Os choques aproximam o cenário-base do modelo das projecoes de mercado.

Consideracoes finais

A maior diferenca do resultado deste modelo é o fato do governo, neste contexto, nao mais perseguir um nível específico de dívida/PIB, mas de resultado primário. Dado que este é, na verdade, o previsto pela própria legislacao brasileira a luz da LRF, me pareceu mais razoável que o modelo anterior. Outra grande conveniência da nova estrutura é a maior facilidade de calibrar as variáveis de longo prazo, nao mais poluídas pelos parâmetros que afetavam o ciclo econômico que, em tese, nao deveriam afetá-las mesmo.

Em tempo pretendo corrigir os typos e a falta de acentuacao nas palavras desta entrada. O modelo está disponível neste link do meu Google Drive. Bons estudos a todos.

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Felipe Camargo
Felipe Camargo

Written by Felipe Camargo

Applied macroeconomist. I look for simple model solutions to real world problems. I also write about finance and casual philosophy.