Como eu projeto o PIB brasileiro
Aproveitando a recente divulgação das contas nacionais trimestrais do IBGE essa semana, veiculei nas minhas redes sociais a atualização da minha projeção pessoal de crescimento para o curto, médio e longo prazos. Como sempre (e ao contrário da maioria dos analistas de atividade no Brasil hoje), deixarei minhas contas com uma das minhas principais metodologias em anexo ao fim do post.
Antes de falar de projeção, é oportuno começar explorando os dados históricos. Para a análise de hoje, usarei os dados das contas nacionais trimestrais do PIB pelo lado do valor adicionado. O motivo é porque eu quero reduzir ao máximo a necessidade de adoção de julgamentos e hipóteses para as minhas projeções, deixando as contas falarem por elas mesmas na maior parte do tempo. O PIB por valor adicionado nos permite uma decomposição simplificada do PIB em três principais componentes com dados de divulgação frequente (mensal ou trimestral), enquanto as demais óticas (do gasto ou da renda) exigiriam um pouco mais de trabalho nesse aspecto.
Quando separamos o Brasil em três grandes setores, percebemos grande heterogeneidade entre eles. Vamos assumir o primeiro período de dados disponíveis igual a unidade e evoluir os setores a cada período pela sua taxa de crescimento:
Observamos principalmente três pontos sobre o PIB brasileiro. O primeiro é a clara quebra de tendência de crescimento a partir das crises de 2008 e mais tarde de 2015–16, com repercussões claras de destruição de produtividade e de crescimento potencial. O segundo é a grande resiliência do setor agro, que apesar da economia ter enfraquecido em um agregado, segue resiliente em uma tendência de crescimento similiar ao das duas décadas passadas. O terceiro, talvez mais polêmico entre os economistas, o enorme peso que o setor industrial representa para a economia brasileira, fortemente relacionado a décadas de baixa abertura internacional mais distorções microeconômicas regulatórias e tributárias.
Apesar de todas essas informações, o crescimento trimestral do PIB brasileiro é relativamente bem comportado, com uma distribuição quase simétrica ao redor de uma mediana que pode ser aproximada por uma medida de crescimento sustentável.
Se desconsiderarmos períodos idiossincráticos como a crise de 2015–16 da nossa amostra, percebemos que a distribuição do crescimento do PIB nao se alterou muito ao longo do tempo, apesar de sua mediana ter sim flutuado em patamares diferentes ao longo de sua história. Uma mediana de crescimento de 0.43% t/t é consistente com um crescimento tendencial aproximado de 1.7% a/a, um número bastante próximo das estimativas de crescimento potencial projetado para o Brasil em publicações anteriores neste blog.
Em razão deste crescimento fortemente concentrado em uma medida central, é muito comum aos analistas e macroeconomistas de atividade que usem médias históricas de períodos selecionados como hipóteses para suas projeções de curto prazo da economia brasileira. Esses julgamentos de crescimento em torno de uma taxa média são entao calibrados de acordo com as condições cíclicas e de política econômica atuais, usando impressões discricionárias sobre como esses fatores devem mais provavelmente afetar a economia nos trimestres à frente.
A linha de raciocínio costuma funcionar da seguinte forma: imagine que o analista que projeta seu PIB por julgamento adote a hipótese de 0.4% t/t como o crescimento tendencial da economia, ele pode assumir uma reducão de 0.2pp a essa taxa de crescimento no curto prazo em virtude de um aperto na taxa Selic para os próximos 3–4 trimestres, além de alguns outros descontos em virtude de incerteza política, aperto das condições de liquidez internacionais e quebra de demanda por exportações em virtude de desaceleração chinesa. São exemplos que permeiam bastante o debate sobre crescimento para o ano que vem.
No meu caso, os ajustes de longo prazo também sao feitos de maneira discricionária, apesar de guiados por alguns modelos acessórios que já apresentei e disponibilizei aqui no blog (veja aqui e aqui). Sem mais enrolação, vamos ao modelo.
O Modelo
Para projetar atividade via valor adicionado, separamos a economia em seus três principais setores e projetamos cada um deles fazendo o que se chama de seleção de modelos ARIMA. O processo consiste em estimar diversos modelos ARIMA para cada um dos setores e selecionar os modelos com base em algum critério de informação que leva o ajuste aos dados (quanto mais ajustado, melhor) e a quantidade de parâmetros do modelo (quanto menos parâmetros, melhor), além do desempenho da projeção para um período de controle. O modelo ARIMA tradicional é especificado da seguinte forma:
A macro programada nesta planilha fará os seguintes passos:
- Estimar 15 permutações diferentes de especificações ARMA(I,N) onde I e N podem assumir valores de 0 até 3. A estimação é feita a partir do algoritmo numérico de otimização do próprio Excel (caso você queira rodar esta planilha, precisará habilitar a ferramenta Solver nas configurações de Excel e do VBA).
- Guardar essas 15 permutações em uma tabela com seus critérios de informação (aqui uso BIC) e seu erro de projeção para fora da amostra. A periódo de amostragem vai de 1996 até 2019 (período a partir do qual se extrai o BIC), e a partir de 2020 até 2021T3 o modelo calcula o erro de projeção (aqui optei pelo Erro Absoluto Médio, EAM);
- Muda a série temporal e passa para o setor seguinte, repetindo os passos em loop até terminar os 15 modelos do terceiro setor.
A partir daí, seleciono os três melhores modelos pelo menor EAM e dentre estes três, escolho um discricionariamente para adotar para a minha projeção de curto prazo, geralmente aquele que me oferece a menor quantidade de parâmetros com taxas de crescimento estáveis no médio prazo. Há alguma discricionariedade aqui, apesar de muito pequena, pois os três melhores modelos selecionados pelo algoritmo tendem a ser muito parecidos.
Em seguida, e aqui sim imprimo maior discricionariedade a minha projeção, adoto valores para os choques contemporâneos e futuros para as séries estimadas. Como esperamos certa desaceleração da economia brasileira no curto prazo pelas razões anteriormente mencionadas, uso choques negativos nas taxas de crescimento do setor de serviços e indústria, pois espero que elas sejam menores do que aquelas sugeridas pelo modelo que não considera essas informações em seu output.
Assim lapido minha projeção satisfatória de curto prazo para os três setores da economia e posso a partir da soma delas encontrar o crescimento do valor adicionado. Para chegar ao PIB, preciso adicionar ao valor adicionado os impostos líquidos, onde para isto simplesmente assumo uma convergência simples à taxa média histórica de sua participação em relação ao valor adicionado (ao redor de 14.5%).
Para o médio e longo prazos, imponho convergência do PIB efetivo encontrado em 2023T4 (o qual defini o “fim” do meu período de projeção de curto prazo) ao PIB potencial, o mesmo que se encontra público aqui no blog. Uma imposição que acaba sendo obrigatória por razões teóricas, afinal, o ciclo econômico precisa ser reconhecido e fechado no longo prazo.
Para os componentes, estabilizo-os como % do PIB, obrigando-os a crescer em função do crescimento potencial da economia. Essa hipótese talvez seja a mais problemática da análise, uma vez que os setores possuem tendências de crescimento históricas distintas. Entretanto, como o exercício não se preocupa com a composição setorial da economia no longo prazo, deixo essa questão na mão de quem quiser seguir este projeto adiante.
Com isso, chego ao seguinte resultado final para a minha projeção, a qual resumo em um pequeno dashboard:
Além disso, também acompanho de perto o ciclo econômico projetado nos gráficos abaixo:
O link para a planilha se encontra aqui. Este é o registro de hoje, bons estudos a todos.