Sobre a não-neutralidade da política monetária
Nesta breve entrada no blog, mostro como é possível demonstrar que a política monetária traz contrapartidas de longo-prazo para o produto de um país, após admitirmos algumas hipóteses fracas sobre fatos estilizados da macroeconomia. Aceitar as hipóteses colocadas, no entanto, é um requisito para tornar a análise válida, que envolve misturar o que existe de consolidado da teoria keynesianiana clássica e do modelo seminal neoclássico de Solow.
O modelo mais simples consiste em um sistema de tres equacoes:
Nesse sistema, temos na equacao um que o crescimento da economia fundamentalmente depende dos seus fatores de producao, como preconizam os neoclássicos. O PIB (Y) é um produto entre o estoque de trabalho (L) e o estoque de capital (K), sensibilizados por suas respectivas participacoes em uma determinada economia(α), vezes a produtividade total dos fatores, isso é, quao bem os fatores de producao da economia sao alocados para gerar renda. A equacao dois oferece uma regra de movimento para o acúmulo de capital, isto é, o estoque de capital de hoje (Kt) depende do estoque de capital em um período anterior (Kt-1) após sua taxa de depreciacao (δ) somados ao investimento em capital fixo feitos em período contemporaneo (It). A terceira equacao, trazida pela economia keynesiana clássica, é a funcao de producao, que oferece um caráter endógeno (ao depender da renda poupada em período anterior (s Yt-1), da elasticidade-juros do investimento vezes a taxa de juros defasada (βi→r rt-1) e de um nível autonomo de investimento que independe da renda (β0).
Ao admitirmos essas tres equacoes por hipótese, tudo que precisamos fazer é encontrar a relacao do produto com a taxa de juros, e isso é facilmente obtido substituindo a equacao tres na equacao dois e depois a equacao dois na equacao um. O resultado é este:
Podemos extrair o efeito de uma mudanca na taxa de juros tomando a derivada parcial de Yt em rt-1 usando a regra da cadeia.
De forma que, se assumirmos um valor tipicamente negativo para a elasticidade-juros do investimento, temos que o efeito da taxa de juros no PIB potencial é negativo. Logo, isso significa que a taxa de juros livre de risco determinada pelo banco central (r) trará efeitos de longo-prazo para a economia porque afeta o crescimento do estoque de capital. Como na teoria keynesiana, um efeito de reducao da taxa de juros aumenta investimento, que por sua vez aumenta o crescimento do estoque de capital, que por contrapartida traz maior produto potencial sustentável de longo prazo.
Isso significa que bancos centrais deveriam focar em suportar o aumento do crescimento de longo-prazo de uma economia mantendo juros baixos para sempre? De forma alguma. Uma extensao deste modelo poderia também ilustrar que imprevisibilidades no poder de compra (portanto da inflacao) afetariam de forma negativa o investimento. O intuito deste texto, no entanto, é ilustrar como é fácil reconhecer que a política monetária se estende a muito mais do que somente estabilizacoes de curto-prazo de uma economia, afetando sua estrutura de capital permanentemente.
Extensao 1 — Lei de movimento da poupanca
Nao posso faltar em discutir, ainda nesse texto, o que aconteceria com a funcao investimento caso estendessemos a hipótese usual de exogeneidade da poupanca como parcela da renda. É razoável supor que se a taxa de juros aumenta, isso também deva afetar a decisao de poupanca dos agentes, em linha com aquilo que está consolidado em modelos microeconomicos de preferencia intertemporal. Se a taxa de juros aumenta, é do melhor interesse do agente maximizador de utilidade considerar poupar uma parcela um pouco maior da sua renda hoje para consumir mais no futuro, respondendo ao incentivo por uma oportunidade de retorno mais atrativo.
Podemos facilmente permitir isso em nosso modelo acrescentando uma lei de movimento para a taxa de poupanca em relacao a renda da economia. O novo sistema entao fica:
Assim, estendemos o modelo e permitimos que a taxa de juros afete a decisao de investimento (It) e, ao mesmo tempo, a decisao de poupar (st). Dessa forma, o resultado no final no investimento será o resultado líquido do efeito de um aumento da poupanca trazido pelo aumento da taxa de juros na parcela da renda (γs→r Yt-1) deduzido do efeito da elasticidade-juros do investimento (βi→r). Demonstro abaixo usando o mesmo procedimento algébrico anterior:
Neste contexto, o efeito negativo de um aumento da taxa de juros sobre o produto potencial é parcialmente mitigado, podendo até, em alguns casos, ser positivo, uma vez que um aumento na taxa de juros poderia aumentar a poupanca o suficiente para compensar o efeito dos juros sobre o investimento. A regra que ditará o efeito líquido se dará pela calibragem/estimativa da elasticidade-juros da poupanca vezes a renda versus a elasticidade-juros do investimento em capital fixo.
Para melhor ilustrar o exercício, simulo um gráfico de impulso-resposta, que reflete o efeito do banco central dobrar a taxa real de juros da economia por dois períodos consecutivos no PIB potencial, usando os dois modelos para valores tipicamente calibrados para economias emergentes, pequenas e abertas. O modelo 1 reflete o resultado simples, com poupanca exógena, enquanto o modelo 2 reflete o resultado com extensao para a poupanca como funcao dos juros.
Por hoje é isso.