O que significa ser pobre no Brasil?

Felipe Camargo
5 min readSep 10, 2020

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Neste primeiro texto sobre economia, contarei uma breve história sobre a pobreza do Brasil, orientada pelo levantamento anual da PNAD de 2019. Apesar de nao ser novidade para ninguém que o Brasil é um país pobre e bastante desigual, poucas pessoas, sobretudo as mais ricas, entendem onde elas mesmas se situam na biosfera onde vivem. O intuito desse texto é ilustrar o que sao ricos e pobres a partir das classes de renda do trabalho e também demonstrar como nascer em determinadas regioes pode se tornar um enorme empecilho para a ascencao social de um brasileiro médio.

Dou início a discussao com dois principais gráficos de dados nacionais:

Gráficos 1 e 2, distribuicao e crescimento da renda domiciliar per capita no Brasil. Fonte: PNAD 2019

Os gráficos acima explicitam dois fatos muito importantes.

O gráfico da esquerda mapeia a posicao aproximada da renda na populacao brasileira. Para usar um exemplo ilustrativo, uma família de tres membros com renda total entre R$ 3.800 a R$ 6.000/mes é considerada uma família de classe média, entre o 30ésimo e 70ésimo percentil da populacao ordenados por sua renda média mensal. Todo o intervalo superior a este (os 30% que ganham mais do que R$ 2.000/mes por pessoa na família), é composto por pessoas de famílias ricas.

Já o gráfico da direita ilustra que os extremos da distribuicao de renda brasileira (os 5% mais pobres e mais ricos) sao os que costumam se deslocar cada vez mais longe da classe média. Para ilustrar o ponto com outro exemplo, entre 2019 e 2012 o crescimento do PIB per capita (em virtude da crise de 2015–16) foi de -1% ao ano, o crescimento da renda da classe média neste mesmo período foi de 1%, enquanto os 5% mais ricos desfrutaram de um aumento de 1/2 ponto percentual acima disso. Isso significa que a natureza da última crise economica brasileira afetou exclusivamente uma minoria anonima da populacao brasileira, que viu sua renda cair até 8% ao ano, no caso dos mais miseráveis. A classe média e rica brasileira, em um agregado, ainda nao pagou pela crise. O resultado disso pode ser resumido em um único número, onde a razao entre os 5% mais ricos e os 5% mais pobres praticamente dobrou nesta janela de tempo, ricos viveram em 2019 com uma renda mensal que é 324x mais alta que a dos mais pobres, ante 163x em 2012.

Dando sequencia a essa mesma análise, passo para a composicao regional da distribuicao da renda. Ordenarei os gráficos para as 5 grandes regioes do país, por renda mediana crescente.

Gráficos 3 e 4, distribuicao e crescimento da renda domiciliar per capita na regiao Nordeste. Fonte: PNAD 2019
Gráficos 5 e 6, distribuicao e crescimento da renda domiciliar per capita na regiao Norte. Fonte: PNAD 2019
Gráficos 7 e 8, distribuicao e crescimento da renda domiciliar per capita na regiao Sul. Fonte: PNAD 2019
Gráficos 9 e 10, distribuicao e crescimento da renda domiciliar per capita no Centro-Oeste. Fonte: PNAD 2019
Gráficos 11 e 12, distribuicao e crescimento da renda domiciliar per capita na regiao Sudeste. Fonte: PNAD 2019

Na decomposicao das regioes, a análise proporciona alguns pontos principais:

  1. O aumento da desigualdade entre 2012–2019 foi causado por uma contribuicao muito mais forte de queda da pobreza do que de aumento da riqueza no período. Via de regra, a renda da classe média de todas as regioes do país cresceu o mesmo ou acima do PIB per capita brasileiro no período dos dados, mas em nível relativamente aproximado;
  2. O Sul foi a regiao de melhor desempenho em termos de amortecimento na queda da renda dos mais pobres, apesar de nao ser a regiao cujos mais pobres tivessem a maior renda inicial. No Sudeste os 5% mais pobres eram mais ricos que os 5% mais pobres no Sul em 2012;
  3. A regiao Norte observou queda praticamente generalizada em sua renda durante estes anos. Evidencia de que a regiao concentrou a maior parte da populacao 5% mais pobre do país em seu território durante o período em questao. Nem os mais ricos dessa regiao escaparam da crise de 15–16, apesar de terem sentido muito menos o impacto, proporcionalmente.

E, finalmente, esgotando esta análise, apresentarei a mesma visualizacao de dados para duas unidades federativas somente:

Gráficos 13 e 14, distribuicao e crescimento da renda domiciliar per capita no estado de Sao Paulo. Fonte: PNAD 2019
Gráficos 15 e 16, distribuicao e crescimento da renda domiciliar per capita no Distrito Federal. Fonte: PNAD 2019

Ao analisarmos as duas UFs mais ricas do país, notamos discrepancias importantes. A primeira é o fato que o DF carrega a média da renda no Centro-Oeste fortemente para cima. Em poucas palavras, sem Brasília a regiao ficaria muito mais próxima do Nordeste do que do Sudeste em características tanto de renda mediana quanto de desigualdade. A segunda é a constatacao que mesmo em comparacao a segunda UF mais rica do país, um cidadao de classe média do DF estaria um decil acima se tivesse mesma renda vivendo em Sao Paulo, uma cidade com um custo de vida razoavelmente maior, sobretudo no mercado imobiliário. A renda media no DF (com R$ 2.700/mes) se enquadraria muito facilmente entre os 20% mais ricos no Maranhao, o estado mais pobre da federacao, cujos 5% mais miseráveis sobrevivem com R$ 5/mes.

Frente a esses dados, nao vejo problema em encarar que o Brasil é um país de muitas faces, pequenas bolhas e de improváveis solucoes para vencer a pobreza. Sobretudo sem o crescimento economico necessário para isso. Essa parte no entanto deixo para outro dia, outro texto.

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Felipe Camargo
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Written by Felipe Camargo

Applied macroeconomist. I look for simple model solutions to real world problems. I also write about finance and casual philosophy.

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