Investindo em ativos arriscados, como enxergar, medir e analisar risco?
Em post anterior neste blog, dediquei um tempo falando sobre planejamento patrimonial e a importancia do investimento e dos retornos neste processo. Naquele texto me faltou explorar com maior detalhe sobre um duro obstáculo que envolve o processo de decidir onde, quanto e como investir, que é a incerteza e seu subconjunto, o risco.
Naturalmente, é muito mais conveniente elaborar a execucao de um planejamento financeiro quando este trata de evolucoes exponenciais constantes do patrimonio investido. Houve um tempo no Brasil em que isso fazia muito mais sentido, já que as taxas de juros baixas sao um fato de poucos anos na história do país até agora. O mais provável é que o retorno mais baixo da renda fixa agora veio para ficar, e portanto todo planejamento financeiro vai envolver um investimento que vai passar por alguma alocacao em ativos de renda variável, arriscados por definicao.
Risco, conceitualmente falando, é definido na literatura economica/estatística e financeira de maneiras diferentes. Risco para economistas e estatísticos está associado a uma probabilidade quantificável de determinado cenário/expectativa nao se realizar. Já para financistas, o risco é definido como a probabilidade, também quantificável, de perda financeira, e nesse caso qualquer surpresa positiva das expectativas é, portanto, desconsiderado. Essa distincao é importante, e vai ficar melhor ilustrada ao longo das imagens que pretendo apresentar logo mais. Por agora, apenas atente-se ao fato de que este texto é feito por um economista (antes de ser um financista), e que tratará do assunto como tal. Também cabe atentar ao fato de que risco é definido por aquilo que é mensurável, se distinguindo da ideia de incerteza, que engloba tudo aquilo nao é possível ser mensurado (por exemplo, as crises economicas).
Já que estamos falando de risco como a probabilidade quantificável de um determinado cenário nao se concretizar, vamos olhar o exemplo do ativo arriscado brasileiro mais famoso: o IBovespa (essa análise pode ser feita com qualquer ativo de renda variável com cotacao diária e liquidez razoável).
De forma geral já é possível ver pelo gráfico o caráter volátil da bolsa de valores, que, além de sempre ser arriscada também possui ciclos incertos que envolvem situacoes macroeconomicas internacionais (precos de commodities, crises no mundo desenvolvido), política domestica e internacional (guerra comercial, impeachment no Dilma II) e crises sanitárias como a do coronavírus. Para além destes fatores conjunturais, que afetam de forma bastante radical o retorno efetivo e o perfil de investimento dos agentes no mercado de forma dinamica, existe um risco quantificável, aquele existe sempre e muda pouco ao longo do tempo.
Podemos ver que, apesar do retorno diário médio anualizado do investimento no índice ter variado bastante ao longo do tempo. Com excecao da crise da pandemia este ano, a volatilidade anualizada da bolsa se manteve relativamente constante (entre 2010–2019, girou em torno de 22–23%). Um gráfico de volatilidade corrida de 2010 até 2020 pode ilustrar tal ponto:
Volatilidade é a medida tradicional para risco, calculada a partir da raiz da soma dos desvios quadráticos de uma amostra de retornos em relacao a sua média, divididos pelo número de observacoes menos 1. Parece complicado, mas na prática é uma fórmula simples:
O procedimento é como uma receita de bolo, em posse dos dados de retorno (de preferencia diários para garantir uma amostra grande o suficiente), basta que um compute a média desses retornos, subtraia o retorno de cada dia por essa média, eleve essa média ao quadrado, some todos esses desvios quadráticos, divida esse valor pelo número de observacoes menos um e finalmente tire a raiz quadrada desse valor, para transformar a frequencia dessa volatilidade (em unidades diárias, mensais ou anuais, por exemplo) deve-se multiplicar esse valor encontrado pela raiz do número de dias de negociacao (logo, a volatilidade diária precisaria ser multiplicada pela raiz de 252, referentes aos dias de negociacao em um ano, para chegar-se a volatilidade anualizada). A volatilidade é nada mais do que o desvio padrao dos retornos, e mede quanto um retorno tende a se dispersar de sua média ao longo de uma amostra. É como estatísticos, economistas e macroalocadores tendem a medir o risco de um investimento. Vamos explorar o conceito de volatilidade com o auxílio de mais um gráfico.
O gráfico acima denota quantas vezes, sobre o total de dias de negociacao observados, o retorno diário ficou entre um determinado intervalo no eixo horizontal. A quantidade de retornos próximos de zero (entre -0.6% e +0.6%) acontece em um pouco mais de um terco das 2600 observacoes de negociacoes nos últimos dez anos. A quantidade de dias de retornos negativos foi de pouco menos da metade (mais exatamente 49%) dos retornos diários observados, ilustrando como operar em alta frequencia costuma ser quase tao estatisticamente vantajoso quanto uma aposta de cara ou coroa (com 50/50 chances de perder/ganhar dinheiro). Vamos olhar esse mesmo gráfico agora recortando pelas amostras anteriores.
Neste gráfico, vários pontos interessantes sao dignos de se destacar. O primeiro ponto é que a distribuicao entre 2010–2015 e 2016–2019 sao bastante similares, até voce perceber detalhes que parecem pequenos mas que para um longo prazo sao enormes: a distribuicao dos retornos entre 2016–2019 se encontra mais levemente a direita, ou seja, mais gorda em retornos positivos, do que a distribuicao de 2010–2015. Um dado que, no fim, resultou em um retorno médio anualizado de 2016–2019 37% maior do que no periodo anterior. Licao um: detalhes no viés da distribuicao importam. Licao dois, que considero ainda mais importante: notar como as extremidades da distribuicao do ano de 2020, em virtude da crise da pandemia, engordaram tanto para esquerda quanto para a direita. Isso foi diretamente refletido no desvio padrao (ou volatilidade) do período, que saltou de uma média anualizada razoavelmente equilibrada em 22–23% para mais de 50% neste ano. Ou seja: a volatilidade vai sempre estar refletindo, de alguma forma, o comportamento disruptivo da bolsa em um dado momento.
Certo, depois de medirmos risco, talvez valha um último exercício sobre o que esse risco signifique dentro de um contexto de patrimonio investido. Para isso, apresento uma simulacao de 60 dias de negociacao (pouco menos de 3 meses corridos) para um aporte de R$ 1,000 em um investimento que replica as caracteristicas de risco e distribuicao de retornos do IBovespa:
A linha preta quase horizontal ilustra o valor esperado da carteira no dia zero, rendendo na média pouco em pouco a cada dia. O efeito de um retorno constante só se torna relevante a prazos mais longos. As linhas pontilhadas pretas mostram onde estao 90% da trajetorias simuladas, sendo qualquer valor entre pouco menos R$ 900 e pouco mais de R$ 1,100 resultados perfeitamente em linha com o que se observa frequentemente nos patrimonios investidos na bolsa de valores.
Agora que sabemos como enxergar e medir risco, vamos aprender a analisa-lo para que eventualmente possamos administra-lo em um contexto quantitativo e racional na escolha de portifolios. A parte de análise requer que voce entenda, depois de quantificar o risco, o que ele significa para um determinado investimento em diferentes prazos e compara-lo com outros tipos de ativos para objetivos semelhantes.
Risco relativo, ou Beta (β), é geralmente uma das principais formas de analisar risco quando comparamos diferentes tipos de ativos. O Beta pode ser calculado comparando tanto ativos de uma mesma classe (por exemplo, de renda variável listada em bolsa) como de classes diferentes (como fundos imobiliários, acoes de empresas fechadas ou moedas). O Beta é basicamente compreendido como a sensibilidade dos movimentos de um determinado ativo em relacao aos movimentos de outro. Geralmente essa comparacao é feita entre empresas individuais listadas na bolsa contra o IBovespa, conforme abaixo:
O Beta da Empresa X de 1.2 mostra que a empresa variou 1.2x aquilo que o IBovespa variou no periodo analisado. Isso significa que o investidor que detém acao de tal empresa corre 1.2x mais de risco que o investidor-médio do mercado, e que por isso deve esperar uma recompensa em retornos 1.2x+1% (1% adicionais oriundos do intercepto) maiores para justificar tal decisao de investimento. De forma geral, o valor do Beta das acoes listadas na bolsa tem muita relacao com o estágio ou a situacao financeira da empresa analisada, onde empresas mais alavancadas (endividadas), menos amadurecidas (de crescimento) ou em setores mais dinamicos (como o de tecnologia) costumam trazer Betas mais altos, sendo portanto uma escolha mais apropriada para investidores mais arrojados.
O Beta também pode ser usado para comparar carteiras de investimentos diversificadas, fundos de investimentos, ou até mesmo ativos que sequer tenham marcacao a mercado, mas que ao menos possuam dados robustos de precificacao e liquidez suficiente para dar confiabilidade ao seus precos. A fórmula do Beta é dada por:
Para muitas situacoes de mercado, no entanto, faz sentido pensarmos em maneiras de nos proteger do sentimento pessimista que a bolsa pode vir a enfrentar. Quando a bolsa está caindo de forma generalizada, é muito difícil encontrar dentro dela ativos/empresas que possam te proteger, porque frequentemente os movimentos que jogam o preco de todas as acoes para baixo costuma ser causado por razoes estruturais, políticas e que afetam de forma generalizada o poder de compra de consumidores e empresas. Nessas situacoes, faz sentido em pensarmos em incluir ativos como o dólar ou atrelados ao dólar em nossas carteiras. A razao para isso também pode ser vista no Beta, uma vez que o dólar possui correlacao negativa com a bolsa.
Dessa forma, podemos utilizar Betas como ferramenta útil para comparar e analisar o risco de diferentes tipos de ativos. Ativos livres de risco, como os títulos de renda fixa, costumam ser impopulares em análises de Beta porque, quando mantidos até seu vencimento, sempre possuirao correlacao zero com índices de mercado.
Agora que já aprendemos como enxergar, medir e analisar/comparar o risco, deixarei para um texto futuro entrar de forma detalhada no processo de como administra-lo e como funciona a escolha racional de portifolios. De forma geral, esse processo se dá pela análise do risco por unidade de retorno adicional esperado de um determinado ativo.
Os mercados tendem a trabalhar para que os maiores retornos funcionem como recompensas ao maior risco incorrido, mas é claro que nao é sempre assim. Quando este nao é o caso, alguém estará correndo risco adicional para um retorno muito abaixo do equivalente por ativos melhores, e a contraparte se beneficiando disso. A única forma de garantir que voce nao esteja sendo passado para trás em operacoes nesse formato é entendendo como medir e analisar risco x retorno. Espero que essa série de textos esteja servindo bem este propósito, produzindo alguns investidores (mesmo que poucos) mais conscientes e menos propensos a serem enganados com base na supersimplificacao do conteúdo sobre investimentos geralmente disponível nas redes sociais.