Estruturando decisoes em investimentos arriscados, sob quais condicoes faz sentido correr risco?
Neste post pretendo concluir uma série de textos que venho escrevendo sobre análise de investimentos, produzidos sob o incentivo de ajudar a proporcionar um conteúdo melhor organizado sobre financas para o investidor iniciante seduzido pelos influenciadores de conteúdo raso do YouTube. O propósito é distribuir um conhecimento um pouco além do básico mas que é fundamental para preparar quem está tentando construir patrimonio investindo.
No último post desta série, encerramos o assunto aprendendo como enxergar e pensar no conceito de risco. Para que serve calcular um desvio padrao e o Beta dos retornos de diversos ativos, o que significam os valores desses parametros e o que esperar deles ao longo do tempo. O que nao aprendemos, no entanto, é como estruturar essas informacoes para fazer escolhas, o que, no fundo, é o que eu chamei de “administrar risco”.
Em teoria do portifólio, abordamos a escolha de um investimento arriscado como uma escolha sob incerteza. Para simplificar, a teoria define que investidores possuem o que chamamos “graus de aversao ao risco”, e essa aversao ao risco é definida por uma ideia de que investidores racionais exigem “premios” em retornos mais altos para julgar razoável a escolha de investimentos mais arriscados.
Isso é bastante intuitivo. Pense da seguinte forma: se alguém te oferecesse duas oportunidades de investimento, uma com 50% de chance de dar $100 de prejuízo mas com 50% de chance de dar $300 de lucro, ou outra oportunidade com $100 de lucro garantido, é natural entender que a grande maioria das pessoas preferirá a segunda oportunidade ao invés da primeira, apesar de ambas terem igual valor esperado.
Com base nessa lógica foi criada a teoria da utilidade dos portifolios, que basicamente define uma funcao com certas propriedades matemáticas desejáveis, por hipótese, para tentar estruturar como pensa uma pessoa que lida com escolhas de diferentes investimentos arriscados. A forma funcional de enxergar essa escolha de portifólios arriscados é definida de muitas formas, mas para fins de didática escolherei uma bastante simples aqui.
A utilidade (satisfacao) por escolher um determinado investimento é definida como funcao da sua expectativa de retorno descontada do risco deste retorno esperado multiplicado por um coeficiente de aversao ao risco subjetivo, denotado por “A”. Na prática, a disponibilidade de investimentos com informacoes públicas acessíveis (como acoes em bolsa, títulos públicos, moedas e derivados destes) facilita bastante a ideia de um consenso de mercado a respeito do retorno esperado e do risco desses investimentos (afinal, foi exatamente o que fizemos no post anterior). De posse de parametros como E[r] e σ para estes ativos, basta entao medirmos o coeficiente “A”, subjetivo por sua definicao. Cada um de nós tem uma sensibilidade diferente ao risco, que pode ser matematicamente capturada por este parametro, conforme a ilustracao gráfica abaixo:
Como podemos ilustrar pelas diferentes trajetórias de retorno no eixo vertical para mudancas identicas no risco, que um investidor racional vai exigir um aumento exponencial de seu retorno para manter-se indiferente a um aumento cada vez maior de risco. Um investidor com um coeficiente A=7 somente aceitará um investimento com 20% de risco se este investimento oferecer um retorno esperado de 22% (ou seja, 22% em média, mas que poderia ficar entre -18% e +62% com 95% de confianca). Enquanto isso, um investidor com coeficiente A=3 toparia este mesmo nível de risco com um investimento de retorno esperado bem mais baixo, de 10% (portanto, 10% de média, mas podendo chegar a -30% e +50% com os mesmos 95% de confianca).
Note que mesmo considerando ambos investidores avessos ao risco esses podem ter graus de aversao ao risco diferentes, e por isso racionalmente exigir maior “premio” em retornos esperados para correr a mesma unidade a mais de risco. A melhor forma de se compreender qual a aversao ao risco de alguém, portanto, é perguntando a esse potencial investidor quanto este exigiria a mais de retorno para correr um dado valor adicional de risco, e é assim que toda a teoria de escolha ótima de portifólios é construída.
A compreensao do conceito de utilidade na relacao risco x retorno é fundamental porque permite unificar uma teoria que engloba tanto a ideia de retorno requerido (obtido através do cálculo do planejamento do patrimonio desejado ao fim de um determinado número de anos de poupanca e investimento, que derivamos no primeiro texto dessa série) e do risco máximo tolerado (medido através da volatilidade e Beta dos retornos do texto subsequente). Agora, podemos trabalhar com tudo isso com a intencao de construir um portifólio adequado para cada um, um portifólio que vai consistir em uma combinacao de ativos diversificados que oferecam um nível de risco e retorno compatível com os objetivos patrimoniais e tolerancia ao risco de cada investidor.
Chegou, finalmente, o momento de falar dos benefícios da diversificacao. Como usá-la em favor do investidor que tem uma boa ideia de quanto retorno precisa e de quanto risco está disposto a tolerar no caminho da acumulacao do seu patrimonio. Vamos primeiro ilustrar esse benefício graficamente e depois discutir porque ele acontece, matematicamente.
Como podemos ver no gráfico acima, ao comprarmos isoladamente acoes da empresa X ou da empresa Y, teríamos feito algum retorno ao longo do tempo, correndo bastante risco. Essa combinacao entre ativos negativamente correlacionados torna possível preservar um determinado nível de retorno correndo menos risco. E por mais que se possa argumentar que o investimento em Y possa ter sido muito mais vantajoso em retorno, conforme vimos acima, esse pode ainda assim nao ser um ativo razoável para um investidor avesso ao risco.
É sempre preciso ponderar risco e retorno, afinal, mais risco é preco justo que o mercado nos exige pelo maior retorno. Pensando nisso, muitos financistas gostam de normalizar retornos pelo seu risco, criando índices, como o Índice Sharpe. Com o índice, podemos pensar na eficiencia de um determinado investimento a partir de quantas unidades de retorno a mais ele adiciona para cada aumento em seu risco. Com base na maximizacao deste índice, é possível definir a quantidade e a proporcao ótimas dos ativos em um portifólio racional. Entao agora já podemos falar um pouco mais sobre como funciona esse processo de otimizacao.
Neste momento, vou propor um exemplo numérico para tornar mais ilustrativo, e com base nele reforcarei alguns dos conceitos pincelados anteriormente.
Aqui, temos a opcao de escolher entre 2 ativos arriscados para combinar com X (X com Y ou X com Z), e depois combinar essa carteira de ativos arriscados com nosso ativo de Renda fixa. Para construir essa carteira, montarei um gráfico das relacoes risco vs. retorno para cada uma das proporcoes destes ativos arriscados em um portifólio.
No gráfico ao lado, a fronteira eficiente é destacada em vermelho por ser justamente a regiao de combinacoes entre X e Y onde todos os seus pontos sao superiores em retorno a regiao da curva em preto, com retornos inferiores e risco identico. Isso significa que investir na regiao preta seria irracional (ou, como a propria fronteira diz, ineficiente). O Índice Sharpe das combinacoes de X e Y é maximizado no ponto destacado da regiao vermelha da fronteira, onde alocamos 65% do patrimonio investido em Y e o restante em X. Esse índice maximizado nos oferece um portifólio de retorno de 7.3% com risco de 17.7% (inferior portanto ao risco de qualquer um dos ativos isolados, com um retorno razoavelmente acima do ativo menos arriscado oferecido).
Vamos comparar agora o mesmo gráfico contra uma diversificacao de X com o ativo Z, que possui risco e retornos identicos a Y porém mais correlacionado com X que Y.
Em virtude dessa maior correlacao entre X com Z do que entre X com Y, todas as combinacoes entre X e Y sao superiores as combinacoes de X com Z. Isso acontece porque o benefício da diversificacao é sempre maior quanto menor for a correlacao entre ativos. Esse fator é bastante importante quando pensamos em montar uma carteira diversificada, uma vez que é perfeitamente possível adicionar novos ativos em uma carteira e nao obter tantos benefícios de diversificacao assim. Uma carteira pode estar mais diversificada com 3 ou 4 ativos do que uma carteira com 30 ou 40, a depender da correlacao dos ativos que estao dentro dela. O risco de uma carteira diversificada com dois ativos pode ser medido da seguinte forma:
Na equacao acima, podemos pensar que o risco de uma carteira diversificada é composto pela soma dos componentes de risco de cada um de seus ativos (denotados em cinza e em vermelho na fórmula acima) acrescidos ao produto cruzado entre eles (sua correlacao, denotada em roxo). Em uma carteira com 2 ativos há somente um componente de correlacao (no caso do exemplo, a correlacao entre X e Y), mas se incluíssemos um novo ativo Z, teríamos 3 (entre X e Y, entre X e Z e entre Y e Z), e assim subsequentemente. O resultado disso é que após alguma diversificacao dilui-se o benefício de se acrescentar um novo ativo na carteira, e uma carteira pode estar perfeitamente diversificada com poucos ativos a depender da correlacao entre os ativos escolhidos. Esse processo também pode ser feito e aperfeicoado através de tentativa e erro, bastando que o investidor calcule a volatilidade passada de cada ativo em separado e comparando com as multiplas possiveis combinacoes de retorno entre estes ativos. O resultado deve ser o mesmo.
Bom, agora que entendemos o processo de otimizacao de um portifólio arriscado, vamos seguir adiante com o passo de combinar este portifólio com um ativo livre de risco. A razao pela qual fazemos isso é porque desta forma encontramos todas as combinacoes possíveis de uma carteira com Índice Sharpe identico, em uma reta que chamamos de Capital Market Line:
A Capital Market Line é a linha que permite ao investidor incorporar a sua tolerancia ao risco com seu retorno requerido. Um investidor estaria igualmente confortavel em termos de retornos eficientes (os níveis de Sharpe sao os mesmos), mas esse nível de retorno eficiente precisará se encontrar com aquela curva de indifenca que tracamos no primeiro gráfico do post.
O portifólio ótimo é aquele onde o investidor encontra o ponto tangente entre a sua curva de indiferenca e a reta de combinacoes eficientes de um portifolio diversificado combinado com a renda fixa. Dessa forma, unificamos em um equilíbrio ótimo toda a teoria de escolha de portifólios, onde o investidor decide por um retorno requerido para construir seu patrimonio, analisa os ativos a sua disposicao para fazer seu investimento diversificando-os, obtendo uma relacao de risco x retorno ótima e escolhendo a combinacao que melhor se adequa ao seu grau de aversao ao risco.
E por aqui eu fico com a minha série de textos sobre como estruturar investimentos de forma racional. Acredito que a principal licao deste conteúdo é passar a ideia de lembrar que risco é um custo no momento de decidir investir (o preco pelo maior retorno), e precisa ser tratado como tal. Volto a lembrar que o conteúdo sobre investimentos nas redes sociais hoje é bastante amplo, mas geralmente muito raso, e passado por pessoas que nao estao expostas ao orgao que regula as boas práticas na hora de discutir investimentos. Espero que o material ajude os novos investidores a entender que o trabalho dos gestores profissionais de carteiras de investimento é de uma profundidade muito maior do que o que estes influenciadores de internet nos levam a acreditar. Nada vai te proteger melhor de conselhos ruins do que a sua forca de vontade em aprender as nuances por trás do uso do seu dinheiro na formacao de patrimonio.