Econometria de séries de tempo — estudando a partir de aplicacoes em ambientes controlados (parte 1)
Econometria nao costuma ser um assunto muito convidativo, a grande maioria dos profissionais e pesquisadores com quem converso que fazem uso dela parecem faze-lo como se pisassem em ovos, seguindo uma receita de bolo cuja razao das instrucoes eles nao entendem muito bem. Acredito que essa inseguranca seja colocada em parte pelo fato de muita gente nao se lembrar do que existe por trás das premissas que tornam um modelo econometrico “aplicável” para a finalidade desejada.
Hoje, quero falar que boa parte dessa inseguranca pode ser facilmente ultrapassada se os exercícios em econometria fossem aplicados em ambientes controlados, onde o próprio estudante cria suas séries temporais, condicionando as relacoes entre elas, usando da econometria para observar nos resultados de uma regressao aquilo que ele mesmo criou manualmente via uma simulacao de computador.
Vamos pensar em um exemplo para um exercício desta natureza. Um problema prático, para tornar o propósito da análise mais ilustrativo e (com sorte) mais didático.
Suponhamos dois países, Atlantida e Conchinchina, que dividem uma enorme fronteira geográfica e, portanto, comercial. Atlantida é um país globalizado, aberto ao comércio internacional, com pauta de exportacoes diversificada e infraestrutura consistente. Conchinchina, por outro lado, nao é exatamente assim. Seu setor externo é bastante dependente do seu comercio com o vizinho geográfico e sua economia doméstica nao tao dinamica assim, o que torna sua economia bastante dependente do desempenho de Atlantida. Assim, o volume do produto na Conchinchina possui forte relacao de longo prazo com o volume do produto de Atlantida.
Em jargao de economista, dizemos que Conchinchina tem um relacionamento exógeno com Atlantida, uma vez que mudancas na economia de Atlantida afetam fortemente a Conchinchina, mas o oposto nao se verifica. Visualmente, poderíamos ilustrar essas duas economias conforme abaixo:
Como podemos ver pelo conjunto de gráficos acima há uma relacao bastante notável entre os níveis de produto de Conchinchina e Atlantida, além de uma natural relacao entre os próprios ciclos economicos de cada uma das duas. Há informal útil ao se observar Atlantida para inferirmos sobre o que vai acontecer com Conchinchina. Vamos portanto comecar a explorar modelos que nos permitam separar o que existe de sinal e ruído nestes dados.
O primeiro modelo que vamos usar é uma regressao simples. Vamos, num primeiro momento, seguir o protocolo padrao de livro-texto e estimar um coeficiente angular (β1) mais um intercepto (β0) para a relacao das variacoes do PIB de Atlantida (x) nas variacoes do PIB da Conchinchina (y). Para os que nao entendem muito bem como funciona o protocolo de estimacao, de uma regressao econométrica, ela se baseia na minimizacao da soma dos resíduos (ε) elevados ao quadrado. Matematicamente, significa fazer isto:
Dessa forma, obtemos os betas que melhor aproximam x de y ao longo de todos os períodos usados para a estimacao. Analisando os dados diretamente desta forma, obtemos os seguintes resultados:
Idealmente, quando buscamos um modelo para aproximar dados observados, esperamos que tudo aquilo que é desconsiderado deste modelo (o resíduo, ε) se comporte como algo perfeitamente aleatório, isto é, como se nao houvesse nenhuma informacao útil a ser extraída dele. Na prática, define-se se um resíduo é perfeitamente aleatório quando este atender algumas condicoes práticas: nao possuir uma tendencia (o que chamamos de estacionariedade, propriedade de reversao a uma média igual a zero), suas inovacoes forem descorrelacionadas com seus valores passados (ausencia de autocorrelacao) e se sua variancia convergir para um valor constante (homocedasticidade).
Quando estas condicoes sao atendidas, podemos considerar que os estimadores (β1 e β0) sao coeficientes consistentes (nao possuem viés), eficientes (possuem a mínima variancia possível), ou seja, sao coeficientes que vencem qualquer outra combinacao de coeficientes para atender a mesma necessidade de “se encaixar” aos dados.
A análise destes dados criados poderia muito bem terminar por aqui, uma vez que criamos os dados e estabelecemos uma relacao bem fundamentada entre eles através de um modelo simples. Porém, há mais história por trás destes dados que mesmo um modelo econométrico aparentemente bem-especificado pode deixar escapar. Quando criamos as economias de Atlantida e Conchinchina, mostramos que ambos países possuíam uma relacao comercial bastante forte, onde o PIB da Conchinchina poderia ser determinado pelo crescimento de Atlantida, e que o volumes dos mesmos possuíam uma relacao de longo prazo. Quando extrapolamos o modelo especificado no longo prazo, notamos que a caracteristica de relacao ao nível de volume de tais países já nao mais se verifica.
Se assumirmos uma trajetória para o PIB de Atlantida até 2050 e extrapolarmos a relacao estabelecida pelo modelo econométrico inicial, notamos uma tendencia crescente na diferenca percentual entre as duas economias. Em poucas palavras, por mais que este modelo esteja econometricamente bem especificado, ele falha em capturar caracteristicas entre as séries de tempo que desejamos manter.
Aqui, acredito deixar a primeira mensagem principal desta série de posts sobre econometria. A ideia de que mesmo um modelo econométrico bem especificado pode falhar em atender uma finalidade específica, do conhecimento do macroeconomista/econometrista.
Nos posts subsequentes, trarei modelos econométricos alternativos que enderecam este problema e extraem ainda mais informacao util dos dados. Por hoje, para nao ficar muito extenso, termino o post por aqui.