Econometria de séries de tempo — estudando a partir de aplicacoes em ambientes controlados (parte final)

Felipe Camargo
5 min readJan 31, 2021

Nesta entrada no blog, pretendo encerrar a série dos dois últimos textos postados aqui, onde simulamos aleatoriamente dois países que possuem uma relacao específica e usamos de especificacoes econométricas para “desvendar” tais relacoes de forma satisfatória em uma infraestrutura de equacao única. Se voce chegou agora, recomendo passar pelas partes 1 e 2 primeiro, para entender o contexto e a motivacao por trás destas postagens.

Relembrando onde paramos, exploramos uma ideia de dois países fictícios, Atlantida e Conchinchina, onde o segundo possui forte relacao exógena e de longo prazo com Atlantida.

Nossa relacao observada nas duas economias simuladas em computador.

Na primeira parte, experimentamos uma primeira especificacao econométrica, essa de livro texto, e enxergamos com gráficos a razao desta, apesar de bem especificada, falhar em capturar uma relacao de longo prazo que definimos mas ficou faltando. Nosso modelo MQO simples nos provia uma projecao onde o PIB da Conchinchina divergia ao longo do tempo em relacao a Atlantida.

Na segunda parte, encontramos uma forma de representar dinamicas de curto e longo prazo com modelos de regressao em nível com lags. Regressoes com lag dificultam em parte a interpretacao estatistica dos testes de correlacao entre as variáveis, em razao destas possuírem tendencia, mas de forma alguma nos impede de faze-la. Pincelamos rapidamente pela questao da cointegracao entre as variáveis, e como sua presenca era o que nos permitia usufruir de tal modelo. No texto de hoje, a cointegracao e um pouco de álgebra será o elo que permite a uniao entre as relacoes de curto e longo prazo em um modelo econométrico de equacao única.

Vamos comecar este novo modelo do último modelo que usamos e analisamos na parte 2, o modelo ARDL(1,1):

Lembrando, o modelo ARDL(1,1) é aquele regride variáveis I(1) e/ou I(0) com variáveis explicativas I(1) e/ou I(0). As notacoes 1,1 se referem a um lag de variável dependente y(t-1) e um lag de variavel independente x(t)+x(t-1)

Para chegarmos onde queremos chegar, vamos fazer algumas manipulacoes algébricas simples neste modelo, conforme abaixo:

Primeiro, tomamos a primeira diferenca de y em ambos os lados da equacao.
Aqui, adicionamos e subtraímos β0x(t-1) para transformar x(t) em uma primeira diferenca e somarmos um novo coeficiente em x(t-1) em nível
No passo seguinte, decompomos o intercepto pela soma de dois interceptos diferentes o motivo ficará claro no passo seguinte, note que ao longo dos passos fomos agregando e deixando em evidencia os novos coeficientes de cada equacao
Aqui, ao passarmos todos os termos de x em nível e da constante decomposta para dentro do termo entre parentenses de (1-φ1), e chegamos a uma forma funcional final. Note que o termo em roxo nos deveria soar familiar.

Na parte dois, deduzimos os coeficientes de longo prazo do nosso modelo ARDL(1,1), da seguinte forma:

Note que a forma funcional destes coeficientes sao identicas as que encontramos no nosso modelo novo.

O leitor pode nao ter percebido, mas nesta manipulacao algébrica deduzimos o que é conhecido como um modelo de correcao de erros (ECM). Este modelo é bastante popular na sintetizacao de relacoes exógenas de curto e longo prazo entre variáveis, além de eliminar alguma parte das dificuldades de identificacao estatística que possuíamos no modelo ARDL anterior, por se tratar de uma regressao final em primeira diferenca.

O modelo ECM

Para implementar este modelo, podemos simplesmente assumir que a relacao entre os coeficientes em nível y e x é:

Neste modelo, assumimos que α e β sao simplesmente parametros que resumem toda a relacao de variáveis da manipulacao algébrica anterior

Assim, estimamos uma primeira equacao, que mede os coeficientes de longo prazo do nosso modelo.

Vale notar que nosso coeficiente regredido em nível aqui conforme a especificacao acima nos resultou em um β para x estatisticamente igual ao do modelo anterior, dentro do intervalo de um desvio padrao somente.

De posse deste modelo, usaremos o resíduos w da regressão com uma defasagem, uma vez que sabemos que este resíduo é exatamente o termo de longo prazo:

A estacionariedade do resíduo é o indicativo de que y e x cointegram.

Podemos entao regredir a equacao acima com a simples especificacao:

Aqui, para simplificar, substituimos os termos de φ1-1 por λ para simplificar a notacao. Para que o modelo faca sentido e de fato haja uma correcao gradual aos desvios da dinamica de longo prazo espeficada, é necessário que -1<λ<0.

Ao extrairmos os resíduos da primeira regressao para a segunda regressao, agora em um modelo em primeira diferenca, temos:

Note que aqui, nos livramos do problema anterior onde as estatisticas-teste da regressao em nível eram espúrias, temos um R² e estatisticas-t confiáveis.

O output do modelo, conforme veremos, é basicamente um espelho dos resultados do modelo ARDL, uma vez que se trata basicamente de uma manipulacao algébrica de coeficientes estatisticamente identicos. Para facilitar a visualizacao, plotei os dois resíduos em conjunto no gráfico abaixo. Eles ficam quase que completamente sobrepostos.

A forma funcional do nosso modelo, no entanto, agora está muito mais explícita e visível do que antes, o que nos permite inferencias mais intuitivas sobre a dinamica do PIB da Conchinchina diante de mudancas no PIB de Atlantida:

Nosso modelo final, após estimacao, com seus coeficientes centrais.

A maior vantagem deste modelo, no fim das contas, é finalmente nos proporcionar com uma dinamica cujo output explica, consistentemente, o ritmo de crescimento e o nível de PIB da Conchinchina pelo ritmo de crescimento e o nível de PIB de Atlantida.

Na imagem, observamos que as variacoes entre os dois PIBs convergem ao longo do tempo, e as economias agora divergem a uma diferenca percentual constante em nível dada pelo coeficiente β de longo prazo.

Por aqui encerro esta série, onde ilustro o poder dos modelos ECM, sua relacao intrínseca com modelos ARDL, que regridem variáveis em nível, nao somente em primeiras diferencas. Através de diferentes etapas, compreendemos que há um pouco além da econometria do que aquilo que os livros-texto ensinam, e que muito pode ser desvendado com um pouco de exercício prático (obviamente nao tudo). Espero que tenham gostado, até a próxima.

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Felipe Camargo

Applied macroeconomist. I look for simple model solutions to real world problems. I also write about finance and casual philosophy.