Brasil na corrida do crescimento global, razoes para temer o futuro

Felipe Camargo
5 min readSep 12, 2020

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O debate político e economico brasileiro, de forma muito semelhante ao latino americano em geral, é caracterizado por ser muito mais reativo do que racional. Fora do campo puramente academico, falhamos miseravelmente em dar ao longo prazo a sua devida importancia e como consequencia poucos planos no debate publico discutem um horizonte mais longo do que o dos próximos doze meses de forma explícita.

Em um texto anterior, tratei exclusivamente de uma das principais consequencias dessa enfermidade que é a falta de visao de horizonte mais amplo para o país. Muito do custo pago pela cauda mais pobre da populacao brasileira é oriundo de uma silenciosa destruicao do crescimento sustentável da economia brasileira, aquilo que muitos economistas conhecem como “produto potencial”, e que corrói a possibilidade de ganhos significativos e sustentáveis na renda da populacao miserável.

O produto potencial (Y*) é definido matematicamente como a agregacao dos principais fatores de producao em uma economia, usualmente discriminados em capital (K), trabalho (L) multiplicado por um fator de produtividade (A), e capital humano (H).

Fonte: Acemoglu lecture 4 (MIT) https://economics.mit.edu/files/7183

As letras gregas phi e rho denotam os pesos (a participacao na renda de cada fator na economia), sendo o produto potencial matematicamente apenas a média geométrica destes fatores discriminados e estimados separadamente. Hoje, essas estimativas mais confiáveis para as variáveis brasileiras somam um produto potencial cujo crescimento gira em torno de 1 a pouco menos de 2% ao ano. Se subtrairmos deste crescimento o que dele advém de crescimento populacional, temos que o brasileiro-médio nao poderia esperar um crescimento maior do que 0.75 a 1.25% de sua renda todos os anos.

Isso é muito pouco, e esse crescimento baixo esperado para o futuro traz com ele um desafio enorme no próprio desenho das políticas públicas de curto prazo que hoje tanto estao na pauta da mídia brasileira, sobretudo a agenda fiscal. O Teto de Gastos, por exemplo, que foi idealizado para um cenário onde o crescimento esperado da economia para os 20 anos que o sucedessem fosse de 2.5% ao ano, com uma inflacao relativamente mais alta que pudesse trazer um certo colchao ao aumento dos gastos obrigatórios (em torno de 4% ao ano), foi atropelado por um crescimento que quase nao chegou a metade da sua expectativa inicial e ao mesmo tempo acompanhado de uma inflacao mais baixa no período. O ajuste fiscal que se esperava ser promovido pelo Teto acabou se tornando ainda mais gradual, e pode acabar falhando em atingir sua finalidade ao fim de seu prazo mesmo se for cumprido até o fim (algo que hoje já é visto como improvável).

O exemplo da agenda fiscal ilustra como pensar uma boa medida de crescimento sustentável é a chave para se evitar políticas insustentáveis politica e economicamente. E muito mais relevante do que decidir como serao pagas as contas dos próximos 12 meses, a renda agregada brasileira se depara hoje com um cenário de longo prazo bastante dramático.

Gráfico 1: Renda por habitante do Brasil ante pares comparáveis. Dados: Banco Mundial

Se extrairmos a renda por habitante tendencial do Brasil e das séries nas regioes acima, notaremos que o país caminha para, com otimismo, acompanhar o crescimento mundial a frente. As taxas de crescimento obtidas pelo exercício acima podem ser comparadas na imagem a seguir.

Gráfico 2: Crescimento esperado até 2040 pela tendencia da renda por habitante (2005–2019). Autoria própria

Neste exercício, o Brasil seria ultrapassado pela renda per capita mundial no ínicio da próxima década, tornando-se oficialmente uma economia de renda média (e nao mais de renda média-alta como hoje é classificada) e com um nível de producao eventualmente inferior ao da maioria dos principais países latino americanos (com excecao do México). Nao se trata somente entao daquilo que os academicos discutem como a “Armadilha da Renda Média” da qual muitos países emergentes hoje passam a nao conseguir aproximar sua renda a dos países de renda alta. Se a “Armadilha da Renda Média” se aplica a todos os emergentes, ela deve permitir gradacoes, e o Brasil, assim como o México, se encontra na ponta inferior do conjunto de países afetados por esta. Mais do que crescer pouco, o Brasil cresce menos do que a média dos países emergentes que já estao presos na mediocridade.

Para além da questao do empobrecimento internacional globalizado, que é o que significa crescer menos que o resto do mundo, tratarei no texto de hoje apenas do problema de crescimento decepcionante no que tange a pobreza e a distribuicao de renda.

Recuperando o gráfico do post anterior deste blog, onde mostramos a heterogeneidade na renda no período de contracao da renda per capita durante 2012–2019, temos o seguinte:

Gráfico 3 e 4, distribuicao e crescimento da renda domiciliar per capita no Brasil. Fonte: PNAD 2019

Considerando que o período de 2012 a 2019 foi um momento atípico em termos de crescimento, mas nao necessariamente para a distribuicao de renda brasileira (afinal, as restricoes de gastos fiscais para combate da desigualdade impostas entre 2016 e 2019 seriam, em tese, as mesmas no futuro) podemos simular alguns cenários alternativos para os mesmos percentis de renda no Brasil em 2040, usando o crescimento economico per capita projetado.

Para este último exercício, imaginarei dois cenários para os próximos 20 anos: um onde o aumento da renda per capita é igualmente distribuída entre pobres e ricos (hipotético e improvável) e outro onde a renda segue uma composicao de crescimento relativamente parecida com aquela vista entre 2012–2019, onde pobres seguem a margem das políticas públicas de alívio a pobreza que foram igualmente insuficientes no período da crise de 2015–16. Ambos cenários sao equivalentes em promover um aumento agregado real da renda de 1% ao ano até 2040.

Gráfico 5, cenários para 2040 da distribuicao da renda domiciliar per capita no Brasil. Fonte: PNAD 2019

Esse tipo de exercício, naturalmente, poderia comportar milhares de cenários diferentes para cada um destes percentis de renda que agregariam os mesmos 1% de crescimento agregado da renda por habitante. No entanto, seria improvável ver o país conseguir sustentar uma reducao da desigualdade, criando um aumento para além do organico (igual ao crescimento do PIB) na renda dos mais pobres sem ativamente retirar renda dos mais ricos para isso. Algo que nao aconteceu até este momento na série histórica da PNAD, e que julgo improvável que um dia aconteca.

Por hoje fico por aqui, e a principal mensagem do texto é: o crescimento sustentável projetado para o Brasil é muito baixo. Com esse crescimento baixo será um desafio enorme financiar a reducao da pobreza e da desigualdade sem incorrermos em eventos até hoje nao observados nos dados disponíveis dos últimos 8 anos.

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Felipe Camargo

Applied macroeconomist. I look for simple model solutions to real world problems. I also write about finance and casual philosophy.