Brasil, crescimento sustentável, capacidade ociosa e inflacao

Felipe Camargo
5 min readJan 20, 2021

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Nesta entrada no blog, explorarei brevemente o produto potencial da economia, suas desviacoes do PIB efetivo (o conhecido “hiato do produto”, que mede a capacidade ociosa de uma economia), com a finalidade de mostrar como mapear adequadamente o ciclo economico faz grande diferenca na compreensao dos ciclos de política fiscal e monetária.

Comecando pelas definicoes, o produto potencial de uma economia é uma aproximacao do PIB pelo lado da oferta. Por tratar-se de uma variável nao-observável, o produto potencial tende a ser aproximado por algumas técnicas estatísticas, umas mais simples outras mais complexas, que decompoem o crescimento da sua economia em um componente de tendencia somado a um componente cíclico.

Este componente tendencial costuma ser tratado pela teoria como o nível de produto que uma economia é capaz de sustentar sem sofrer ajustes conjunturais. Isto é, quando o PIB efetivo estiver acima do produto potencial (hiato do produto >0), é esperado que a economia entre subsequentemente em um período de desaceleracao cíclica da atividade. Isso acontece tanto porque a aceleracao da inflacao que acompanha esse sobreaquecimento da economia forca o banco central a aumentar as taxas de juros e reduzir a dinamica presente de consumo, quanto porque a própria economia tende a perceber a mao-de-obra disponível cada vez mais escassa (afinal, a economia está muito aquecida) e passa a rever sua alocacao em trabalho para investir mais em capital (ou seja, o empresário/empregador busca maximizar seus retornos investindo menos em contratar novos funcionários).

Portanto, a importancia de mapear o ciclo economico e o seu crescimento sustentável surge justamente da sua utilidade como ferramenta para olhar para o futuro com mais informacao. Para fins de exemplo, mostrarei aqui a utilidade dessa informacao, acompanhada de ruídos, para uma projecao de inflacao e para uma expectativa de crescimento para os próximos dez anos.

Vamos tratar de algumas das diferentes técnicas de estimacao do produto potencial aqui.

Múltiplas estimativas do PIB potencial. A fonte dos dados de PIB efetivo é o IBGE, enquanto eu comparo as estimativas da IFI e do IPEA com tres estimativas diferentes de minha autoria: uma por um filtro HP (λ=1600, dados trimestrais), outra por uma tendencia linear simples, e uma última através da funcao de producao, sobre a qual falaremos brevemente aqui.

Como podemos ver, técnicas diferentes sugerem trajetórias moderadamente distintas do produto potencial para um mesmo país. Naturalmente essas diferentes trajetórias se refletem em hiatos do produto diferentes:

Hiatos do produto resultantes das cinco diferentes fontes. É possível notar que, apesar de uma visível correlacao entre as medidas, suas magnitudes diferem razoavelmente, o que pode dificultar ao ponto de inviabilizar completamente um consenso sobre a conjuntura do ciclo economico.

Frisando a caracteristica nao-observável destas variáveis aqui, reforcarei o uso mais rigoroso delas adotando a média das estimativas e o intervalo superior e inferior entre todas elas como uma regiao de probabilidade do produto potencial e do hiato do produto.

Nesta imagem, sintetizo os dez gráficos acima em somente dois, trabalharemos com estas medidas nas análises subsequentes.

Quando observamos todas as medidas sintetizadas em conjunto, temos um retrato elucidativo sobre o crescimento potencial brasileiro, que explica muito inclusive sobre as recorrentes surpresas negativas a respeito da recuperacao economica dos últimos quatro anos.

Neste gráfico, notamos como o crescimento sustentável da economica brasileira foi prejudicado pela crise de 2014–2016. Em demais períodos, fica claro que o crescimento potencial da economia brasileira se manteve relativamente constante por todas as medidas apresentadas.

Mesmo considerando múltiplas medidas de produto potencial brasileiro, é praticamente um consenso que o crescimento sustentável do país hoje é muito mais baixo do que o que já foi no passado. Antes da crise da pandemia do novo coronavirus (com seu choque de oferta sem precedentes), o crescimento potencial já havia se estabilizado abaixo dos 1.5% ao ano. De fato, quando decompomos o produto potencial pela funcao de producao (onde Ypotencial=A*F(K,L)), temos que no máximo 1% do crescimento ao ano poderia advir das contribuicoes de aumento do estoque de capital (K) mais trabalho (L), uma vez que o Brasil já deixou para trás seu bonus demográfico. Com 1% de crescimento potencial oriundo dos estoques da oferta, todo o restante do crescimento brasileiro teria que ser fruto de incrementos de produtividade (A). É deste fundamento que se justifica a preocupacao pela continuidade da agenda de reformas macroeconomicas, assunto que já virou batido na mídia e entre economistas nas redes sociais.

Neste exercício, os dois cenários assumem um uma funcao de producao cobb-douglas simples onde α da particacao do capital é igual a 0.4, conforme Gomes, Pessoa e Veloso (2003)

Por esta ótica, temos que o crescimento mais provável do produto brasileiro deva girar numa média entre 1–2% ao ano durante os próximos 10 anos, a depender dos cenários de ganhos de produtividade futura.

Adiante, falaremos sobre como podemos usar o hiato do produto para prever inflacao. Para tanto, precisaremos modelar uma Curva de Phillips a partir do nucleo de inflacao. Já falamos dela em post anterior neste blog. Dessa vez, faremos um modelo econométrico simples que leva em consideracao o nucleo da inflacao passada (sua inércia), a expectativa de inflacao (medida pela pesquisa Focus), o hiato do produto que acabamos de medir, o diferencial de juros Brasil-EUA (como medida de estímulo da política monetária) e a necessidade de financiamento do setor público (como medida de estímulo da política fiscal).

O resultado da regressao pode ser entao detalhado abaixo:

A regressao foi estimada com dados trimestrais de 2005–2020T3, extraídos do SGS/BACEN, do IBGE e do FRED. A medida de núcleo de inflacao utilizada foi a média de todas as medidas oferecidas pelo BCB.
Na forma funcional, podemos desconsiderar o nfsp (necessidade de financiamento do setor publico), em razao dela ter apresentado um coeficiente próximo de zero e nao significante). Todos os demais sinais foram estatisticamente significantes e em linha com o que preve a teoria

De posse de um modelo, podemos construir trajetórias para as variáveis explicativas que sejam coerentes com as expectativas de mercado e a teoria economica.

Nas premissas acima, estamos assumindo que o hiato do produto se fecharia até 2024, que a expectativa de inflacao convergirá para a meta de longo prazo (3% ao ano) e que o diferencial de juros nominais Brasil-EUA vá se aproximar de 5.5%.

Com tais trajetórias, podemos resolver entao para a inflacao até 2024, usando a forma funcional da equacao que estimamos anteriormente.

Esta trajetória sugere uma inflacao próxima da meta de longo prazo, de 3%, além de ser consistente com a atual expectativa de mercado (3.5% para o fim de 2021) e a meta do BCB dos próximos 4 anos.

Com este exercício, exploramos conceitos importantes para mapear a conjuntura macroeconomica de um país, usando o Brasil como exemplo. Datamos o ciclo economico, medimos o crescimento potencial histórico e mapeamos alguns cenários para o crescimento do PIB médio de longo prazo e também da inflacao com base nos dados mais recentes disponíveis.

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Felipe Camargo

Applied macroeconomist. I look for simple model solutions to real world problems. I also write about finance and casual philosophy.